Considerado um dos maiores escritores portugueses de sempre e vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1998, José Saramago nunca se alheou das diversas polémicas que o perseguiram ao longo da sua vida que teve um fim físico em 2010, mas que mercê da sua magnífica obra será certamente intemporal.
Sendo que já li alguns dos seus romances, fiquei fascinado pela sua escrita, sentido de humor e expressão inequívoca dos seus ideais, aquilo que tantos acham polémico. Marxista convicto mas apologista da democracia, gerou ideias políticas que não lhe trouxeram muitos fãs, mas foi essencialmente através do expressar do seu ateísmo que Saramago mais foi criticado em obras que chocaram a igreja tais como "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" ou mais recentemente "Caim" (2009). E é deste último que quero falar...
Partindo das imagens bíblicas criadas, Saramago faz um exercício brilhante sobre a interpretação simbólica de certas passagens do livro sagrado, começando pela vida de Adão e Eva no Jardim do Éden e todos os acontecimentos que conduziram à sua fatídica expulsão, até à famosa história de Caim que mataria o seu irmão Abel, tornando-se assim no primeiro assassino de sempre. A partir daí Caim torna-se personagem central da história, percorrendo o mundo e o tempo e estando presente em inúmeros momentos importantes do Antigo Testamento, em episódios ligeiramente ficcionados, mas verdadeiramente divertidos, em que a sátira cáustica do autor sobre as opiniões religiosas vem à tona. Obviamente, para quem professar mais religião do que eu, reconheço que o deve ler com o espírito aberto e com uma boa dose de capacidade de encaixe humorístico, senão é provável que atirem o livro a uma lareira como tantos outros foram na época da Inquisição. Não obstante, há que reconhecer que à parte as posições perante a fé, este livro deixa muito para pensar e obriga a uma ponderação se não terá sido de facto deus (em minúsculas como Saramago se refere no livro), o derradeiro responsável por tantas atrocidades e ódios com que a Humanidade há milénios se debate. Não será por haverem tantas posições extremadas que o Homem deixa a sua capacidade de pensar, de reflectir sobre os acontecimentos e prefere a descontracção que é deixar ao cargo de uma entidade sobrenatural, muitas das decisões e consequências dos actos das suas próprias mãos? É assim que Saramago sempre pensou, sempre se insurgiu contra as supostas "guerras santas", contra os extremismos e as hipocrisias religiosas e nesse campo, o livro "Caim" é um divertido exercício de reflexão que aconselho a todos aqueles que não tenham preguiça ou medo de pensar...
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