quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Piece of My Mind #20


Sou adepto das chamadas "Novas Tecnologias". Acredito que em quase todos os casos as invenções que facilitam as nossas vidas são positivas e devem ser utilizadas, mas parece-me que chegamos a um ponto em que talvez já estejamos a exagerar e a enterrarmo-nos em aparelhos de necessidade duvidosa. Mas a grande maioria das pessoas que conheço não consegue sair de casa sem o telemóvel (como se estivessemos a falar de uma pessoa que se esqueceu dos pulmões ou de um braço em casa) e mudam constantemente de aparelho para um outro mais recente apenas "porque sim", enquanto criticam abertamente aqueles que ainda ousam ter um Nokia 3310, como se fossem malucos...

E é nesse prisma, que não paramos de querer ter aquele iPad que saiu há dois dias, mas cujas diversas funcionalidades não precisamos e nem sequer gostamos daquela "bandeja" difícil de transportar, ou aquele ecrã plano de 50 polegadas para substituir aquele inadmissível ecrã de 48 polegadas que tínhamos (e agora nem sabemos como era possível ver a bola ou um filme da SIC naquele horrível diminuto ecrã...), ou ainda a última Playstation para o puto, apesar dele ter um PC, um portátil, uma PSP e um telemóvel com jogos... Somos insaciáveis no que às novas tecnologias diz respeito, porque descobrimos o mais recente símbolo de status quo que indica aos outros: "Tenho mais sucesso do que tu, apesar de viver no Bairro de S.Tomé e conduzir um Ford Fiesta de 1994".

Mas eis que chegou a famigerada "crise" e a época de "vacas gordas" que vivemos, cessou, deixando-nos enterrados em dívidas de apartamentos T3 que compramos para viver sózinhos e Audis A3 que adquirimos para ir aos shoppings comprar as ditas novas tecnologias que possuimos, com a inerente colecção de neologismos que adicionamos ao nosso vocabulário: Bluetooth (Blutu), Wi-Fi (AiFai), SMS (Ecemess), iPhone (Aifoun) ou Wireless (Uairelece)...
As empresas continuam a nos fazer crer através de marketing agressivo, de campanhas inovadoras, de patrocínios a tudo e mais alguma coisa, que nós necessitamos tanto de adquirir novos bens como de ar para respirar e que não basta, por exemplo, ter um telemóvel que lhe permita ligar para os amigos ou mandar uma mensagem de texto, quando podemos ter um que faça isso tudo e ainda dê para fazer um vídeo do nosso gato a arranhar o sofá, tirar fotos à nossa namorada a fazer "beicinho bico-de-pato" e também ouvir a música "Sail", dos Awolnation, enquanto escrevemos no Twitter (mais um neologismo: "Tuítar"): " 'Tou a ouvir a música do anúncio do 4G. LOL!"

Alguém ainda se recordará dos dias em que quando queríamos falar com os amigos tínhamos que ligar para casa deles pelo telefone fixo e se este tocasse em vão tentavamos mais tarde ou falavamos com eles no dia seguinte? E quando gravavamos uma cassete com músicas das rádios, a qualidade de som era assim tão má? Era pior que o MP3? E ao gravarmos a cassete, seriamos acusados de violação de direitos de autor e de pirataria? Então porque é que vendiam rádios com gravador de cassetes e "fitas virgens" ao público? Quando viamos televisão a preto-e-branco e distinguíamos os jogadores do nosso clube com equipamentos cinzentos claros ou cinzentos mais escuros eramos mesmo fãs de futebol? Ou será que não percebíamos nada da bola porque não haviam as camaras de alta velocidade com zoom que provavam o penalti que ficou por assinalar e não tínhamos fóruns na Internet para discutir o quanto fomos roubados, tendo que esperar que os jornais publicassem a notícia no dia seguinte para podermos ir até ao café discutir o "sistema"? 
No meu tempo a "fibra" era o material que constituia uma peça de tecido ou era alguém com carácter e de quem se dizia "Este gajo tem fibra!", mas agora é algo que tem que haver nos cereais que como pela manhã, para que eu consiga defecar em condições, ou então é uma ligação à Internet ainda mais rápida, que faz os velhos modems parecerem um caracol a fazer Porto-Lisboa pela Nacional 1....

Às vezes penso que nem sei como cheguei a esta idade quando cresci nesse ambiente retrógrado e não neste "Admirável Mundo Novo"!...

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