quarta-feira, 6 de maio de 2009

Momento de Poesia



Sempre achei este poema extraordinário e como andei aqui tanto tempo na net à procura dele, agora que o achei, partilho convosco. É de um spot publicitário da SIC Notícias. A vermelho estão as partes que não constam do anúncio:

O quarto poder é um quarto. Com vista sobre a cidade que já não o é; sobre as ruas que já o foram; sobre as casas que deixaram de o ser.

O quarto poder é um pai; e um filho tornado órfão por uma bala certeira; errada no alvo, errada na hora, errada no tempo que faz do lugar a morada última de um quotidiano que se extingue.

O quarto poder é um fogo; ingrato nos modos, ousado na fuga, intenso na cor, injusto nas vítimas.

O quarto poder é um mar; um oceano de raiva, um elemento à deriva, uma ausência de razão, um lamento inconsolável, um ímpeto de sobrevivência.

O quarto poder é um sopro; de espada em forma de pena, de penas em forma de espadas, de imperfeitos pretéritos, de distorcidos desejos, de ódios e iras e túmulos, e vidas e mortes e destinos, e estilhaços e condições desumanas.

O quarto poder é um berço; a inocência do dia primeiro, segundo a segundo; o choro e o riso, o siso e o norte, o sol e o sul, o leste e o oeste, os cardeais preciosos que guiam, precisos, o começo da nova vida.

O quarto poder é um voto; um desejo dobrado em quatro, a esperança feita num oito. Promessas, palavras vãs, ínvios caminhos, passos perdidos, leis e normas e regras e o melhor dos países e os oásis e os pântanos, e a pose a pensar na posse, no quero, no tudo, no mando.

O quarto poder é um piano; as teclas o prolongamento do tacto; a pauta a serenidade literária, a mão, silhueta temerária, e a mente, suavemente brilhante, tem na partitura o efeito, e na causa cheia o aplauso.

O quarto poder é um golo; um passe em profundidade; um drible, um truque, um remate, uma falta como se pecado fosse, um alento, um país, uma forma de vitória, a outra forma da derrota.

O quarto poder é uma luta; um jeito de desespero; a tábua do náufrago, os argumentos do facto, o mais dos que têm menos, o menos quando são demais.

O quarto poder é um acto; as horas que dele decorrem, as vidas que nele se perdem, as incertezas do dia e a inevitabilidade da noite.

O quarto poder é um arbítrio; um acaso disfarçado, um fogo-fátuo do nada, de tudo a fatalidade, de todos a provação, de muitos a privação, de quem a responsabilidade?

O quarto poder é pergunta; e resposta e mais pergunta, e tese e antítese e síntese; e os dias que hão-de vir, a nobreza do dever, a missão de não esconder, de mostrar, de saber, de fazer saber, de saber fazer, olhar e explicar.

O quarto poder é um quarto. Um quarto revisitado, um pai que é baleado, um fogo inacabado, um mar assim tresloucado, um sopro sentenciado, um berço de novo ocupado, um voto mais uma vez escrutinado, um piano a ser tocado, um golo que é celebrado, uma luta que dá brado, um acto premeditado, um arbítrio incontrolado, uma pergunta no estrado.

O quarto poder é um nome: SIC. O orgulho de poder dizer.


Autoria do jornalista Reinaldo Serrano.

3 comentários:

bola 7 disse...

por acaso ja conhecia este poema,mas tenho q te dar os parabens pq tens muito bom gosto.....

Anónimo disse...

Eu já não via um blog tão organizado hà imenso tempo...
Vê-se perfeitamente que o proprietário é muito dedicado ao trabalho que aqui faz.
Muitos parabéns ao mesmo, uma óptima escolha de poema.
Cumprimentos.

Espertinho disse...

Só gostava de ter mais tempo e paciência......